sábado, 14 de abril de 2012

a vergonha do voyeur


O filme Shame estreou há algumas semanas no Brasil, logo deixando um rastro de pólvora na mídia por causa de sua provocante temática. De fato, ao contar a história e redenção de um homem viciado em sexo, Shame não deixa de cutucar as mais íntimas partes (e feridas) do corpo e da natureza humana. O filme se destaca por suas inúmeras qualidades, seja na exímia direção do talentoso cineasta britânico Steve McQueen, seja pela impecável interpretação de Michael Fassbender e Carey Mulligan que, nos papéis principais, encabeçam um elenco irretocável. No entanto, apesar de tantos elogios, não posso deixar de expressar certa ressalva, embora eu deva reconhecer que se trata de uma obra profunda e instigadora (o que, em si, não deixa de ser uma enorme qualidade, visto o marasmo em que boia o cinema, sobretudo mainstream, que pensa que 3D e outros artifícios podem suprir à total falta de imaginação que caracteriza grande parte da produção atual). Pois bem, Shame não cai nessas armadilhas, mas talvez peque por outras. Talvez a maior seja de optar por tratar a compulsão pelo sexo como uma tara da qual o protagonista somente pode escapar através da redenção, que, por sua vez, acontece como o despertar de um pesadelo, um surto psicótico diante do medo da morte de alguém querido e da incapacidade de dar e compartilhar amor. De certa forma, essa visão não deixa de ser extremamente moralista, tipicamente ancorada na época em que vivemos, em que a liberdade de expressão se materializou e desbrochou nos novos meios de comunicação (internet, Facebook, Twitter...) para melhor se autocensurar na armadilha do politicamente correto. Isso talvez explique por que sempre há um distanciamento entre o filme e o público, o qual nunca (ou raramente) sente apego, se não tesão, diante das cenas (as vezes quase explícitas) que desfilam na tela, mas constrangimento, fazendo com que voltemos ao papel essencial do espectador diante de uma tela, o de voyeur. Esse constrangimento incomoda porque faz do nosso olhar algo obsceno, obcenidade que chega ao seu ápice na sangrenta hora da redenção do herói. Não é a toa que esse filme se chama "vergonha". Pena que esteja lhe faltando a brejeirice de filmes como Shortbus.

Um comentário:

  1. Como ainda não vi o filme só posso comentar acrítica tout court. Metafraseando o próprio conteúdo dela entendo que passa longe do marasmo e falta de imaginação que infelizmente predominam na linguagem de blogs e redes sociais. O que mais se vê é o autor mergulhar numa ego trip vaidosamente orbitando o próprio umbigo sem nenhum acréscimo de um pensamento ou perspectiva original sobre o mundo, vida, artes, whatever. Este texto sobre "Shame" tem a virtude de colocar na roda, sem medo, uma visão livre e peculiar. Arejar a cabeça das pessoas com ideias ou mesmo dúvidas, nestes tempos de descaracterização e mesmice já é um ato quase heróico. Parabens !

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